quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Necessidades, vontades, desejos e minhocas


Dogs can be taught very useful things.
But not if we forgive them every time they obey their own nature.”
do filme Dogville, de Lars von Trier



A (falsa) noção de liberdade e anonimato que permeiam as páginas virtuais da rede fizeram à sociedade o grande serviço de derrubar pelo menos algumas das máscaras, que todos, sem exceção, são obrigados a sustentar sempre que estão "sociais". É como a metáfora em inglês "to open a can of worms". A internet e suas pseudoleis de anonimato e liberdade de expressão abriram uma lata, cujas minhocas (worms) escancaradas aparecem, feias e pegajosas, tal como vemos a perversão, o preconceito e outros “maus” sentimentos. A reação natural (e social) é o nojo e a indignação. Mas, não temos nojo da minhoca em si; o que verdadeiramente nos deixa indignados é a constatação de que aquilo que se estrebucha, que se resseca diante do nosso olhar crítico é, nada mais, nada menos, que um ser humano, como eu, como você. Podemos não ser iguais, mas não somos, tampouco, diferentes no que diz respeito às características que nos classificam como homo sapiens, ou seja, somos os famosos possuidores do polegar opositor e do telencéfalo altamente desenvolvido.


Pedofilia, racismo, preconceito, tráfico de drogas, violência, entre outras ditas perversões, não são aceitas na superfície da malha social. São, porém, fomentadas secretamente dentro das mentes e emoções incontroláveis de cada um, nas casas e zonas de prostituição, nas bocas de fumo das favelas, nas vontades e desejos reprimidos, nas ruas escuras, onde mendigos, índios e travestis são mortos por serem o que são. Mais modernamente, estão sendo estampadas em inúmeras páginas da World Wide Web.


O fenômeno é intensificado na Internet porque as pessoas, sob a ilusão do anonimato, mostram suas reais faces virtuais (ou seria "suas virtuais faces reais"?). Assim, as mais diversas comunidades são criadas em honra dos ditos pecados capitais. Ninguém tem vergonha de assumir gostos marginais quando acha que não poderá ser identificado. A internet vem desvelando o que há tempos se escondia, se reprimia, se criminalizava. Se tantas pessoas participam de comunidades desse tipo, podemos considerar tais manifestações como exceções sociais a ponto de chamá-las de perversões?

perversão*


do Lat. perversione
s. f.,
ato ou efeito de perverter;
uso desviado do normal;
alteração de uma função normal;
corrupção;
depravação.

Muita gente não enxerga, mas a Internet poderá estarmesmo nos fazendo um favor. Não o de desmascarar e prender os pedófilos e traficantes virtuais (o que pode até ser necessário, porém não extirpa o problema), mas o de nos dar uma oportunidade de problematizar o sentido de sermos o que somos e como somos. Precisamos avaliar até que ponto esses diques que construímos socialmente irão agüentar a pressão daquilo que nos faz humanos; animais, portanto. Precisamos entender porque vivemos vidas pra lá de duplas; em muitos casos, múltiplas.


Lembro agora do filme Eyes Wide Shut, de Stanley Kubrick. A mansão onde ocorrem as orgias pode aqui ser usada como uma metáfora desses submundos virtuais. Do lado de fora, há a instituição familiar que deve permanecer de pé a qualquer custo. Um exemplo cinematográfico do choque entre os mundos que se contradizem, mas, que, de maneira paraconsistente, coexistem.


Os instintos básicos tão distribuídos por nossa complexidade, são agora desnudados através das paredes aparentemente invisíveis (como no filme Dogville – mais um estrelado por Kidman) dos guetos virtuais. Mas, ao contrário dos habitantes de Dogville, podemos ver através das portas e paredes das comunidades destes supostos submundos. Descobrimos, atônitos, que o homem não é tão civilizado quanto pensamos. Ele continua tendo vontade de comer (em todas as conotações da palavra), beber e sobreviver, como qualquer outro ser vivo. Soma-se a isso o preconceito contra o que parece ser diferente e as tentativas eternamente fracassadas de explicar, com elementos do mundo conhecido, aquilo que não se conhece. Podemos nos tornar cada vez mais complexos, mas estaremos eternamente próximos ao que sempre fomos. Evolução? Que nada.


Bebida é água
Comida é pasto
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?”


PS: Enquanto escrevia esse texto, meu marido e meu filho jogavam compulsivamente na sala...um jogo de luta...acho que era Tekken . Meus cachorros dormiam porque, como o dia estava chuvoso, não podiam sair para passear, brincar e marcar território. Também dormi entre uma palavra e outra. O mundo dos sonhos ajudou-me a pensar. Agora estou voltando definitivamente à minha querida cama, de onde nada vai me tirar, além, é claro, daquela vontade inexorável de ir ao banheiro...ou talvez de dar uma assaltada na cozinha...necessidades, vontades. So good to be alive...

*verbete do dicionário online Priberam

PS2: Esse clip do Pearl Jam tem tudo a ver...



Nenhum comentário: