sexta-feira, 18 de julho de 2008

O xis de Michelly

Entre fraldas, mamadeiras e roupinhas miúdas, imaginava encontrar, no chá de bebê de minha amiga, mulheres conversando alegremente, tomando o pressuposto chá, fofocando e comendo guloseimas. Mas, em contraste com os tons bebê das roupinhas, estava o colorido da diversidade de gêneros ali presentes. Uma loira de um metro e oitenta e seis, um casal gay, algumas lésbicas e uma esmagadora maioria de heterossexuais, na qual, acredito, me incluía. Minha amiga, a futura mamãe, havia trabalhado na produção da última peça do Clodovil e convidou, além das pessoas esperadas, as amizades que fez naquele período. E foi em meio a essa diversidade que conheci Michelly, a loira de 1,86: uma travesti de 35 anos, estilista e casada há 14.

Curioso é que, embora todos estivessem muito interessados na futura mamãe e bebê, era a travesti o maior alvo das atenções. Assim, após a tradicional entrega de presentes, procedeu-se ali, naquele cenário atípico, e, de forma muito natural e informal, uma longa entrevista coletiva com a estilista de fala suave e gestos elegantes.

Lembro que, após esse dia, comecei a ver a sexualidade humana com outros olhos. As respostas de Michelly me fizeram refletir acerca da miopia com que costumava (tentar) enxergar a diversidade sexual. Óbvio que todos sabem existir variações. Papai e mamãe, mamãe e papai, meia-nove, oral, anal, vibradores, e tudo o mais que as revistas femininas têm ousado publicar.

Evidente também que todos já viram travestis na televisão, nas ruas da cidade, no cinema, no Jornal Nacional (principalmente após o caso Ronaldo). Mas, quantas pessoas olham de verdade para uma travesti, sem pensar no grotesco, no absurdo, na aberração? Mais ainda, quantas pessoas compreendem sua existência e a demanda social, psicológica e sexual por esse gênero?

Afinal, onde estão as travestis do/no mundo? Será que são assim tão poucas ou somos nós que fingimos não percebê-las? E como é possível não percebê-las?? Lembrei daquela história de que os esquimós conseguem diferenciar os mais diversos tons de branco. Se esse povo, seres humanos como nós, enxerga tanta diversidade no que nos parece ser uma única cor, então, podemos tentar também acreditar que o que entendemos por sexualidade pode ter um sem-número de nuances que desconhecemos. Sob o efeito dessa reflexão prosaica é que agora conto um pouco a história do chá de bebê, ou melhor, a história de Michelly:

Roberto, do casal homossexual, era o mais ansioso para abordar Michelly, pois a havia reconhecido de um evento gay: "Você é a Michelly X, que ganhou o concurso Miss Brasil Gay 2000, não é?"

Sim, Michelly X (ninguém quis saber o nome que ela tinha antes... e o X é em homenagem à Xuxa, sua ídola de infância), uma travesti com uma beleza difícil de contestar, já participou de inúmeros eventos gays São Paulo afora e ganhou vários títulos de beleza. Não fosse pela inviabilidade social, acredito ter-lhe sido possível vencer muitas candidatas ao concurso convencional de “Miss Brasil ”.

Quando era menino, Michelly já sentia que era diferente, mas não entendia o porquê. Afinal, na escola, em casa, na casa dos parentes e vizinhos em Tatuapé, na TV, nos desenhos animados, nos livros didáticos, em nenhum lugar, se falava do que ela estava sentindo e, aos doze, no limiar da adolescência, quando todos buscam a aceitação social, lá estava ele fantasiando, não em ter uma mulher, mas em sê-la.

Sua carreira como estilista começou cedo. Antes dos 18, já tinha uma boa carteira de clientes e começava a fazer sucesso até entre celebridades, quando se deu, quase de forma acidental, sua transformação. Primeiro, para se livrar do incômodo da barba, fez depilação a laser e ficou com a cara lisinha. Quantos homens heteros não ficariam satisfeitos com esse resultado?

Empolgou-se com a sutil feminilidade que a ausência da barba lhe conferiu e, foi gradualmente tomando outras medidas para se travestir. Suas sobrancelhas passaram a ser arqueadas e impecavelmente desenhadas, sem um pêlo fora do lugar. Deixou as unhas crescerem e volta e meia brincava de passar esmalte. Esse é o ponto de sua vida em que cultivou o visual andrógino. Era um momento intermediário, em que não parecia nem homem, nem mulher. Não se sentia atraente.



Foi a época em que mais sofri. Saía na rua e as pessoas me xingavam de viado pra baixo, achavam que eu era uma aberração. Uma coisa estranha. Nem lá, nem cá.


A resposta foi peruca e enchimento. Mas, só tinha coragem nas baladas. Isso foi na maioridade. Era uma drag queen de 21 anos, fingia que estava apenas divertindo o público, quando na verdade desabafava, através do exagero, sua vontade de ser mulher. Pensava que se todos já a hostilizavam com o visual andrógino, imagine então se a vissem travestida. No exagero, por trás da peruca rosa da drag, estava protegida. Não queria que mexessem com ela. Não desse jeito.


Belo dia, resolveu fazer uma experiência. Pegou uma roupa que qualquer mulher discreta se orgulharia em usar, encaixou uma peruca loira, e resolveu caminhar pelo lado selvagem.

Holly came from Miami FLA
Hitch-hiked her way across the USA
Plucked her eyebrows on the way
Shaved her leg and then he was a she
She says, hey babe, take a walk on the wild side
Said, hey honey, take a walk on the wild side”

Velvet Underground


A moça entrou no trem, sentou-se comportadamente, cruzou as longas e depiladas pernas, acomodou os braços sobre a bolsa e disfarçou, dirigindo o olhar à triste paisagem da metrópole. Estava radiante! Esforçava-se absurdamente para conter o sorriso. Ninguém, absolutamente ninguém, lhe dirigiu uma palavra. Os olhares, embora curiosos de seus muitos centímetros e fartas carnes, não pareciam reprová-la. Eram apenas curiosos. Como é bom não ser percebida!

Epifania! Esse foi o dia em que desafiou a sentença a ela empregada no momento de sua concepção. Num ato de mor rebeldia, em desafio ao aparentemente inexorável XY, seria XX, ou apenas X. Michelly X. E viva o silicone! Viva o laser e outras tecnologias cosméticas. Porque, sim, ela podia ser feliz como queria.


Se Fulana de tal pôde deixar de ser quadrada e nariguda, por que Michelly não poderia ser simplesmente uma mulher? Se o homem pôde fantasiar com o pássaro e inventar o avião, sonhar com o fundo do mar e inventar o submarino, invejar o sol e iluminar a noite com a eletricidade, não poderia ela inventar uma mulher em seu próprio corpo?


Ninguém fica por aí dizendo que voar de avião é uma aberração porque é contra a natureza ou contra “para o que se nasce”. Ninguém se importa em usufruir do legado tecnológico da humanidade para se aperfeiçoar, mudar a cor do cabelo, disfarçar os defeitos, curar doenças, amenizar sofrimentos. Por que cargas d'água, então, as pessoas insistem em chamar as travestis de aberrações, simplesmente alegando que é “contra a natureza”? Mundinho complicado.


Mas, lá estava ela caminhando gloriosa e corajosamente com seus agora 1,96 metros (os 10 centímetros a mais se devem aos essenciais saltos agulhas, nos quais, recorda-se, foi difícil encontrar equilíbrio no começo), como numa passarela, sob o som ensurdecedor dos aplausos imaginários, cega pelos flashes invisíveis dos olhares deliciosamente curiosos, expondo, a Deus e a todos, o gênero* para o qual nasceu.


Tanto glamour e felicidade, como o mundo é justo, há de ser quebrado pelo outro lado da questão. Pensa que é fácil ser mulher? Não é não. Principalmente para um homem! Desde o preço das roupas, às intermináveis seções de salão de beleza, até os indesejáveis efeitos colaterais das doses e overdoses hormonais. Acontece que, por uma mistura de falta de coragem, excesso de vergonha e ausência de uma assistência médica especializada no atendimento ao gênero, os hormônios femininos costumam ser auto-administrados pelas próprias travestis que vão se orientando entre elas, correndo riscos severos de adquirir problemas físicos e psicológicos.


Michelly tomou os tais hormônios. Qualquer travesti que quer ser bonita tem que tomar. De preferência, desde a adolescência. Ela não teve essa chance. Beirava os 30 quando resolveu se arriscar. Mesmo assim, no começo, o resultado foi fantástico. Pele mais lisinha, voz mais macia e emoções que, apesar de toda a vontade de ser fêmea, nunca antes havia experimentado: vontade de chorar à toa, instinto maternal exacerbado, e uma temível redução no apetite sexual.


Tinha nojo de sexo. Se tivesse que fazer um oral, então, eu vomitava. Logo eu, que adorava! Queria namorar e tal, mas para transar tinha que ser com muito carinho. Fiquei uns seis meses sem fazer porque eu não tinha tesão nenhum. Eu e meu namorado tivemos problemas sérios. Tive até vontade de fazer cirurgia.


E quem dera esses tivessem sido os únicos problemas. Além dos hormônios, Michelly tomava remédios para emagrecer. Queria ser linda e esbelta, pois, um homem que decide ser mulher não pode querer ser qualquer mulher! É incrível como as pessoas cobram mais da travesti. Uma mulher normal pode ter bigode, barriga, celulite, unhas por fazer, mas a travesti não. Tem que estar impecável, senão já falam logo que parece homem. Olha o tamanho da mão! Do pé! Olha o gogó! Que feminina, que nada. Maior voz grossa. Ela é enorme! Como se a Daniella Cicarelli não tivesse uma voz mais grossa que a dela e Luciana Gimenez e Ana Hickman não tivessem exatamente seus 1,86 metros. E mulheres altas quase sempre calçam mais de 40 mesmo. Sem se dar conta, Michelly conhecia bem a verdade de Sartre: "O inferno são os outros" .


Assim, devido à perigosa mistura entre hormônios, remédios para emagrecer e uma vida social regada a álcool, começou a desenvolver sérios problemas psicológicos, como a depressão e a síndrome do pânico. Resultado: foi forçada a parar com as doses cavalares de hormônios femininos e com o tão necessário remédio para emagrecer. Engordou uns 20 quilos e ficou mais deprimida... e menos feminina.


Recorreu então ao silicone e, com uma alegre excitação, viu surgir apetrechos muito mais efetivos que os peiticos derivados dos hormônios. Perdeu alguns quilos, mas, não conseguiu contornar seus desentendimentos com a balança. Já os problemas psicológicos, embora mais atenuados, ainda estão longe de ser resolvidos.

Pensa em fazer yoga. Iria ajudar nas duas coisas. Precisa aprender a respirar, a relaxar. Prometi passar-lhe o contato da minha professora. Imaginei, com uma divertida curiosidade, a altíssima travesti , invertida com a cabeça no chão e os pés no ar.


Apesar de tudo, Michelly se considera uma pessoa, em particular, uma travesti de sorte. Primeiro, porque, ao contrário da maioria de suas colegas de gênero, conseguiu encontrar uma relação estável. São quatorze anos juntos. Uma vida. Não conheço nenhum outro caso igual à gente. Segundo, porque não precisou recorrer à prostituição, como acontece em muitos casos. Finalmente, atribui toda essas sortes a uma sorte maior: em todas as etapas de sua transformação, teve sempre o apoio irrestrito de sua família. Quando muitas são rejeitadas pelos pais e familiares, Michelly foi acolhida. Só tenho a agradecer à minha mãe, meu pai, minha tia, todos. E é assim que tem conseguido saborear e digerir tanto os doces, quanto os amargos frutos de sua escolha.


Para quebrar o clima melancólico, Duda (também do casal gay) interfere: “Posso te fazer umas perguntas indiscretas? Você é ativa ou passiva? E o que você pensa dos homens que procuram travestis?"

Com meu namorado, não. Ele gosta de ser ativo. Sempre gostou. Mas, eu não tenho esse problema. Já fui ativa em outras situações e não tenho o menor problema com isso, só que ele só me curte passiva. Mas, eu não tenho cabeça de transexual, que acha que é uma mulher.


A travesti gosta de ser feminina, mas normalmente não tem problema com o pênis: gosta dele e sabe usar. A transexual olha para o pênis no espelho e passa mal, quer tirar. Tem horror a ser ativa. Ao contrário da maioria das travestis, ela não quer ir para a balada e levar uma vida de glamour. Quer morar numa casinha e ter um maridinho, ter uma vida normal. Não quer nem pensar em ser viril, por isso tem a necessidade de operar. Dizem que quando operam passam a ter o prazer igual ao da mulher. Particularmente, Michelly não sabe muito o que é isso, mas garante que a grande quantidade de hormônios também influencia a querer tomar essa decisão, como quase aconteceu com ela. E isso foi uma das coisas que a fez parar. Estava ficando louca.


Os homens que procuram travestis também variam muito de perfil, mas, em geral, nenhum homem procura uma travesti esperando encontrar apenas uma mulher. Acontece isso de vez em quando com homens "que não têm muita escolha". Normalmente são pouco atraentes, financeira e esteticamente falando. Desejam ficar com uma mulher bonita, mas não têm, digamos, os requisitos para isso. Procuram travestis por carência. Ficam lisonjeados com a atenção da travesti, porém, não a curtem de fato.

Mas, a partir do momento em que ele tem a opção de ficar com uma mulher bonita e interessante, como no caso do Ronaldo, que, apesar de não ser bonito, é rico e famoso, e opta por uma travesti, desculpe, mas, é porque realmente está desejando aquela figura da mulher com o pênis. É uma fantasia que ele tem. Por mais que não seja passivo na relação. Há homens que só querem fazer o ativo, mas têm que saber que tem um pinto lá pendurado. É meio louco isso.

E homem que curte travesti, em geral, não curte gay masculino, porque ele não consegue sair com outro homem. Ele não consegue ter tesão. Não é porque ele não tem coragem de assumir que é gay, como muitos dizem. Ele simplesmente não sente tesão se os contornos não forem femininos. E a figura do pênis é essencial. Tem homem que gosta apenas de saber que tá lá, outros gostam de pegar, outros têm que fazer oral, mas não querem ser passivos, outros querem o troca-troca, mas, raros são os que não querem ver.

O pênis ereto é o inqüestionável indício de que uma travesti está com tesão. Já o desejo da mulher é um mistério demasiado incógnito para alguns homens suportarem. É preciso a gentil franqueza do pênis de uma travesti para tranqüilizá-lo. É preciso algo que ele compreenda naquele corpo tão perfeito. Só uma travesti sabe ser a mulher idealizada. Por que só ela verdadeiramente SABE o que um homem sente e quer. Só ela compreende, por empatia, as taras e fantasias masculinas.

Já o homossexual masculino não vai nunca procurar uma travesti. Muitos malham, ficam fortes porque aquela imagem de mulher mexe com a cabeça deles de um jeito negativo. Não atrai de jeito nenhum. Eles querem o oposto disso. Para alguns, os mais afeminados, é algo que eles queriam ser, não ter. Nesse sentido, acho que existe uma rincha. Não por parte das travestis, que são, digamos, mais bem resolvidas. Os homens heteros não querem o gay, querem a travesti. Então, existe essa competição. Tanto é que, quando você vira travesti, você perde muitas amizades com gays. Você sente a diferença. Por exemplo, assim que virei travesti, a gente ainda ia nas baladas juntos, via um carinha bonitinho e às vezes ele olhava para mim, a travesti, não o gay. Aí rolava aquela inveja e isso acabava fazendo com que eles se distanciassem.

Mas, são tantos que gostam de travestis! Porque a gente conhece, né? Vai numa festa hetero e alguns olhares não estão te paquerando, só olhando, mas muitos, muitos mesmo dizem assim: “se mexer aqui, sai alguma coisa”. Uma grande parte dos homens sairiam com uma travesti bonita. Tenho certeza. A gente sabe essas coisas. Existem muitos que não conseguem assumir nem pra eles mesmos.

Por exemplo, no MSN. Já vi homens que ficam a vida inteira por trás de um monitor, querendo fazer sexo virtual com a travesti, querem ver o pênis dela, mandam mostrar e se masturbam, mas nunca têm coragem de chegar e marcar um encontro. Ficam só no virtual. Só na fantasia.



Grande parte do medo de realizar essa fantasia se deve ao preconceito que paira sobre a figura da travesti. O gênero não é reconhecido. A travesti é sexualmente transgressora, socialmente marginal. Para muitos, é a vulgaridade que repele. Mas, o que seria da prostituta, se não vulgar? E o que seria da travesti, se não prostituta?


O problema da aceitação social da travesti é um círculo vicioso, que normalmente começa na adolescência. O menino começa a manifestar tendências afeminadas e na escola, vira alvo de chacota e discriminação, de tal forma que a vida escolar passa a se tornar insuportável, levando-o a abandonar os estudos antes de concluir o segundo grau. Sem estudos, as opções profissionais se restringem muito, além do fato de haver o preconceito também dentro do mercado de trabalho contra as pessoas de gêneros alternativos. Você consegue, por exemplo, imaginar uma travesti de tailler numa reunião de negócios de alguma grande corporação?



Assim é traçado o caminho da maioria das travestis, congestionando a via que se bifurca na indústria da moda e beleza, onde muitas são cabeleireiras e manicures, ou a do sexo, desde a prostituição propriamente dita, a participações em filmes pornô e ensaios fotográficos clandestinos. Então, se a grande maioria vive marginalizada, confinada aos salões ou guetos de prostituição, a sociedade as discrimina ainda mais, reafirmando a (muitas vezes) falsa teoria de que travestis são pessoas fúteis e promíscuas e que, portanto, não têm lugar onde reinam a família e os bons costumes. Como se alguns nobres membros dessas mesmas famílias, supostos praticantes desses bons costumes, não fossem, eles mesmos, os clientes sorrateiros que apanham as travestis nas ruas escuras e pagam pela fugaz adrenalina de alguns momentos de prazer radical e descartável.

Ao final da festa, já não éramos mais os mesmos. Nesse chá de bebê inesperado, houve um enorme exercício coletivo de humanidade. Homens, mulheres, travesti, seres humanos interagiram, flexibilizando papéis sociais outrora cimentados pelos gêneros. Quem lá esteve pôde tomar, muito além do chá, um banho de diversidade e tolerância. Os votos da madrinha são de que, no mundo de Helena (a futura bebezinha), esse cenário colorido se torne cada vez mais comum.


SOBRE O CASO RONALDO

Não adianta ele falar que é a primeira vez que fez isso porque eu já tinha ouvido falar que lá na Europa ele já procurava. Tenho muitas amigas na Itália, que foram para lá fazer prostituição.


Quem é que diz?
Quem é feliz?
Quem passa?

A codorniz
O chamariz
A caça

Três travestis
Três colibris de raça
Deixam o país
E enchem Paris de graça

Caetano Veloso



E essas minhas amigas já tinham me contado que ele tinha saído com fulana de tal travesti. Até achava que era mentira, mas, quando saiu a notícia, comecei a juntar as coisas. Acho mesmo que ele estava sob o efeito de bebida e/ou droga, e saiu por aí desse jeito e, sei lá, com o tesão louco da droga, acabou pegando essas de rua mesmo, que simplesmente estavam ali. Como um cara alucinado costuma fazer, acabou nem escolhendo, pegou e nem viu direito se era feia ou bonita. Ele queria travesti. Pegou três, levou lá. Acho que uma dada hora, ele mandou buscar mais droga, e uma das travestis saiu para buscar. Foi aí que ele percebeu que o dinheiro dele acabou, aí ele dividiu o dinheiro entre as que ficaram lá. E quando a outra voltou, quis a parte dela e ele já não tinha mais. Não ia dar um cheque ou ir no caixa eletrônico tirar dinheiro. Não tinha cabimento. Mandou ela dividir entre as amigas e foi nesse momento que ela se aproveitou do fato de ele ser famoso e fez aquele escândalo todo.



E com certeza elas foram compradas para retirar todas as queixas. E o que aconteceu com ele acontece direto. Eu já vi vários casos de travestis que se aproveitam do constrangimento social para extorquir o cara, seja ele famoso ou não. Porque normalmente quem procura travesti é casado ou tem namorada. Na verdade, é comum ter de tudo, até adolescente de 16 anos, mas o fato é que a maioria tem dificuldade de assumir isso socialmente e as travestis sabem disso. Algumas, infelizmente, se aproveitam.


Travestis que se aproveitam da situação de vulnerabilidade de seus clientes para tirar vantagem ajudam a reforçar a má fama do gênero. Mas, é incabível generalizar o quer que seja, inclusive os gêneros. É o mesmo que dizer que toda mulher é sexualmente passiva e todo homem pula a cerca. Os estereótipos só dão força à intolerância. E o mais lamentável dessa história é que essa teria sido uma grande oportunidade para a mídia levantar a discussão sobre as travestis. Ajudar a diminuir a discriminação, tanto contra o gênero, quanto contra quem,
por assim dizer,o consome. Em vez disso, a imprensa caiu em cima do Ronaldo, colocando sua moralidade em xeque, encurralando-o para a posição defensiva, e creditou o discurso daquelas travestis, transformando-as em caricaturas perfeitas da imagem mental que a sociedade já tem sobre o gênero: grotescas e vulgares. É absurdo que formadores de opinião, jornalistas, em vez de esclarecer e ajudar a desfazer mitos e tabus do comportamento sexual, apenas reafirmem estereótipos e normalizem regras concretadas de conduta social. Dá vontade de gritar: “Gente, vocês estão falando mal de mim, mas eu estou aqui ó! Estou ouvindo tudo”! E, como eu, tem mais meio mundo.


A linda Michelly


*Aqui é importante ressaltar que ser travesti não é uma orientação sexual, mas sim uma orientação de gênero. Há uma grande variedade de orientações sexuais dentro do mesmo gênero travesti. Por exemplo, há casos de travestis que se relacionam com mulheres. Michelly citou um casal de amigas, onde uma é lésbica e a outra, travesti (veja também a matéria Marie Claire). O que se pode dizer da orientação sexual das duas?

Nenhum comentário: